Nasci em Divinópolis, há sete décadas e meia e
vim para Belo Horizonte, em 1971, em busca de uma vida melhor para minha
família. Em casa, deixei esposa com minhas quatro filhas, pequenas, todas elas
dependentes da minha renda. Eu ainda estava pagando as prestações do lote
quando perdi um emprego numa loja de calçados e não estava conseguindo trabalho
como marceneiro. A única solução foi aceitar a proposta de um amigo para
conseguir novas oportunidades na cidade grande.Tudo o que levei foi uma bolsa
com poucas roupas, alguns cruzeiros (dinheiro da época) e muitos sonhos.
Na capital mineira passei todos os apertos que um
homem passa quando procura emprego. Dormi no chão, morei em barracos, me
alimentei mal, adoeci, perdi peso. Os serviços que eu arranjava não davam para
pagar todas despesas, mas eu mandava dinheiro para minha esposa, mensalmente,
através de amigos ou em correspondências lacradas. O que sobrava eu pagava o
meu aluguel e apenas uma alimentação por dia, além de um cafezinho simples num
bar. Foi um tempo terrível, de momentos que eu sempre desejei esquecer, mas que
jamais consegui. Eles aparecem em flashs, em pesadelos quase diários, ou
nas conversas descontraídas com minhas filhas, que hoje são adultas e têm suas
próprias famílias.
A saudade das minhas meninas era o que mais doía,
quando deixei minha casa. Eu não sabia se elas estavam bem, se sentiam a minha
falta, se estavam se alimentando ou indo para a escola. Eu as imaginava
dormindo sem as histórias que eu contava desde que nasceram e a dor do abandono
me fazia chorar. Sim, sou emotivo demais, reconheço. E muito, muito preocupado.
Não sou ambicioso, eu pensava. Mas a situação não era de escolha e sim de
obrigação de provedor. Minha mulher não trabalhava e apenas o meu salário,
baixo, era o sustento do nosso lar.
Depois de um ano em Divinópolis e a saudade
pulando no meu peito, resolvi trazer minha família para BH. Inicialmente
moramos com familiares e depois nos mudamos para um barracão, num bairro
distante da cidade. O local, precário, me fazia perceber que o esforço não
tinha valido a pena. Ter passado tanta privação, sem conseguir um
benefício maior, era o mesmo que rodar em volta do próprio rabo, como
fazem os cachorros quando estão nervosos. E eu vivia chateado. Nada valeu a
pena, eu pensava. Continuei trabalhando como marceneiro durante muitos anos,
até me aposentar, e às vezes não acredito que estou livre daquelas máquinas
barulhentas!
Com minha esposa, em show: chega de trabalho |
Se eu pudesse voltar no tempo, eu apagaria tudo
com uma borracha gigante e recomeçaria a minha vida em Divinópolis. Eu jamais
teria deixado a minha cidade, ao lado da minha família, para tentar novas
oportunidades na cidade grande. Eu vim para a capital com os olhos fechados e a
mente cheia de imaginações, mas cheguei sem sonhos, porque meus pensamentos eram
rasos demais. Eles serviam apenas para me distrair e imaginar que um dia todo
aquele sofrimento teria fim. E um sonho para ser ambição deve ser profundo, vir
da alma. Quando um trabalho não dá prazer, se torna sofrimento. E foi o que
aconteceu comigo. Me casei muito jovem e não tive tempo para devaneios. Cada
dia era uma batalha para a sobrevivência. Hoje, tudo o que eu quero é tomar uma
café da tarde, tranquilamente, e relembrar os velhos tempos. Só relembrar.
Vivê-los, jamais!
Paulo José
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