quarta-feira, 8 de março de 2017

Criança precisa é de terra!


Com meu neto, Pedro, em Tiradentes (MG): admiração mútua


Na minha infância não havia frescura. Brincávamos o dia todo na rua e só voltávamos para casa ao final do dia, para tomar banho e dormir, já que o jantar era muito raro. Comíamos o que havia e muitas vezes íamos para a cama de barriga vazia. As crianças eram magras e muito ágeis, justamente pela alimentação precária e pela energia que se gastava diariamente. Não havia ônibus que nos levassem à escola, e carro em Divinópolis era artigo de luxo. Em lugares mais distantes, íamos a pé mesmo ou de bicicleta. Mas, os ricos tinham cavalos, que ficavam amarrados nos ganchos em frente aos armazéns, como se faz hoje com os automóveis nos estacionamentos dos supermercados. 
Aprendi a caminhar muito cedo e a encontrar atalhos nos matagais onde eu e meus irmãos íamos buscar água da bica e frutas exóticas das árvores selvagens. O que hoje é raridade na mesa dos brasileiros, era comum na minha dieta: mama-cadela, gabiroba, saborosa, amora, abia. No nosso quintal havia pé de tudo: abacate, maçã nacional, araticum (falávamos articum), abacaxi, maracujá, cará em rama, feijões gigantes, birosca, laranja e limão. Se tivesse fome, bastava subir nos galhos e chupar a fruta preferida. Tudo de graça, muito a vontade, à disposição. Talvez por ter tido tanta fartura da natureza, eu estranhe muito o preço das fruta, hoje em dia.


Minha mãe fazia nossa comida e o lanche da tarde, com produtos tirados do quintal. Eram bolos e biscoitos maravilhosos feitos com mandioca, milho e batata, acompanhados do café moído e torrado na hora. O cheiro era o nosso comunicador e vínhamos correndo ao sentir o aroma das delícias saídas do forno à lenha. O que dizer então do arroz com feijão e da carne cozida, das compotas e das quitandas? Tudo muito farto e calórico, que não engordava, como hoje, por causa das atividades físicas que fazíamos diariamente, com jogos como rouba-bandeira, queimada e carniça. Não ficávamos quietos, parados, a menos que estivéssemos doentes. 
A infância de ontem não é a mesma de hoje. Criança sempre vai ser criança, mas de uns tempos para cá, nada mais é permitido. Vejo meninos e meninas, tão pequeninos, que não sabem o que é se sujar, pois os pais não têm tempo para lavar as roupas imundas. São crianças que não tocam a terra, que não brincam com as minhocas, não sabem o que é diversão. Passam o dia em frente ao computador ou ao celular, ansiosos pelos desafios que os meios eletrônicos encontraram de deixar os pequenos cada vez mais sedentários. Me entristecem saber que não sabem o que é subir em árvores e chupar uma fruta do pé. Também não têm o prazer de tomar água na bica e de pescar piabinhas. 
A infância de hoje está muito preocupada com o futuro. Todo mundo quer ter, quer ser, mas não pode viver. As crianças são trancafiadas em apartamentos, com grades ou redes, muitas vezes, sem irmãos para dividir as alegrias e agruras dos desafios que todo ser humano tem que passar. Esses infantes acabam se tornando adultos muito sérios, muito preocupados com dinheiro e não com o amor. Na maioria das vezes não têm uma relação duradoura com outras pessoas porque não aprendeu a dividir, e não sabe ceder porque todas os seus desejos foram realizados pelos pais. Há uma idolatria pela infância, uma infantolatria que está impedindo a criança de ser o que ela é. Criança precisa tocar o chão, ficar imunda, pintar, desenhar, colorir o mundo que se abre para ela, de uma maneira muito feliz. Só assim ela se tornará um adulto com sonhos e com poesia na alma.

A guerra e seus reflexos!



 
1946. O Brasil, assim como o resto do mundo, estava no Pós Guerra, com muito medo e sofrimento pelo racionamento de comida. Com seis anos de idade eu não entendia muito bem aquela confusão, o pavor no rosto dos pais de família e o desespero das mães com a falta dos alimentos à mesa. Não havia açúcar, feijão nem arroz. Nosso prato só não era mais vazio porque no quintal havia plantas frutíferas, como manga, goiaba e limão. As verduras, como alface e couve, também não faltavam, mas enjoavam. Carne era um luxo e na nossa casa, nem aos domingos ela dava as caras.
A vergonha não faz muita diferença quando se é tão jovem e talvez por isso eu e meu irmão mais velho, Tonho, fomos incumbidos pelo meu pai a pegar na Delegacia de Polícia, os alimentos oferecidos à população de Divinópolis. Era preciso passar o dia todo na fila para adquirir o Picomã, açúcar escuro, mais parecido com rapadura mofada. Éramos tão pequenos demais para tanto sofrimento, mas quem se importava? Não éramos as únicas crianças que enfrentavam aquela situação, mas no meio de tanta gente não tinha graça ficar mendigando também por uma pequena quantidade de sal. Apenas cem gramas por família e nada mais. Para despistar e matar a fome da família inteira, eu e meu irmão nos revezávamos na fila, sendo que cada dia um enfrentava a multidão e as horas em pé. Mas, a distribuição não era de graça e cada centavo, para nós, era uma fortuna.
A Guerra é ruim não só pelo racionamento, mas pela humilhação. Ela trata de forma diferente os seres humanos, colocando-os numa situação de inferioridade sem tamanho. Nossa dignidade é ferida na alma e a vergonha é uma condição física, jamais apagada no rosto de quem passa por tanto constrangimento. Eu tinha apenas seis anos quando percebi que a privação faz parte da vida das pessoas, mas hoje, tantas décadas depois, continuo sem entender a maldade humana. No entanto, parece que atualmente a guerra se tornou mais próxima. Briga-se por bobagens, há intolerância por tudo, tira-se a vida por míseros tostões ou afirmações. De 1946 até agora apareceram vários ditadores, tão malditos quanto Hitler. Mas, nós também somos ditadores quando não respeitamos o próximo, quando o obrigamos a ser a nossa imagem e semelhança. 
A Guerra tem invadido os lares, as escolas, os estádios de futebol, os romances. Há uma matança generalizada, sem a menor busca pelo entendimento. Não quero imaginar um mundo cor-de-rosa, inexistente, ou presente apenas nos contos de fadas. Desejo apenas uma reflexão sobre nossas atitudes no dia-a-dia. Afinal, cada vez mais imaginamos uma unificação do ser humano. Não entendemos mais o outro como diferente de nós. Necessitamos, assim como Hitler, uma raça única, branca, ariana. E é isso o que estamos fazendo, quando não respeitamos os homossexuais, os deficientes, as mulheres e as crianças. Chega de guerra. Chega de abusos, de violências, de falta de respeito. Ninguém quer a guerra. Desejamos apenas paz. E muito amor.

133, avante!!!




Aprendi, quando criança, que se deve respeitar as pessoas e jamais mentir e assim fui crescendo, procurando sempre ser correto e falar a verdade, mesmo que ela doesse a quem me ouvisse. Até que aos 18 anos tudo mudou e quase paguei pela minha língua desenfreada. Ao ser chamado para o Tiro de Guerra (atual Exército), eu percebi que as palavras podem ter peso de ouro quando não ditas na hora e no lugar adequado. No alojamento éramos obrigados a acordar cedo e começar uma lista de tarefas que incluíam a limpeza do local, treinamentos com armas e muito exercício físico. Cada atividade acumulavam pontos e em cada perda, se pagava prenda. Como sou muito atrapalhado, em três dias eu já estava em débito com 17 pontos num total de 25. Humildemente, cheguei para o tenente, que era muito bravo e perguntei como se fazia para reconquistar a pontuação e sua resposta não foi nada agradável: "Nasça de novo ou vai voltar para casa"!
Sem graça, tentei reverter a situação, mas era praticamente impossível. Eu era muito magro e fraco e me cansava muito diante daquela ginástica excessiva. E o pior: não sabia nadar. E foi justamente nesta prova que quase morri. Éramos obrigados a passar num obstáculo em que o centro era um buraco de quatro metros de profundidade. Eu ocultei o meu segredo e segui em frente. Comecei a afogar quando não encontrei o chão. Desesperado, me agarrei a dois colegas que nadavam ao meu lado e não me importei com os chutes e dos empurrões dos dois, para que eu os largasse. Era a minha vida em jogo e eu não podia falhar. Quando viram que não conseguiam se desvencilhar de mim, eles continuaram nadando e me carregando junto, como se eu fosse uma anêmona grudada num tubarão. Assim que chegaram à margem, meus colegas me abandonaram, cansados de me sustentar. Então, cravei as unhas na argila cheia de mato e fiz daquele gesto a decisão da minha vida. Exausto, consegui me salvar.
Após o episódio, nos concentramos no pátio. No meu ouvido, bem alto, o tenente vociferou, como era de costume: "Devia ter morrido"! Meu ódio foi tão grande que não aguentei e respondi, baixinho: "Sua mãe é que deveria morrer, seu nojento"! Meus colegas, com os olhos arregalados me olharam e não acreditaram no que eu falei. O tenente se voltou, chegou perto de mim e perguntou: "O que você falou, soldado 133"? Continuei calado e ele gritou: "Responde"! Olhei para ele, com cara de bom-moço e falei: "Que Deus o abençoe". Ele me fitou os olhos profundamente, de cima abaixo, e me mandou sair dali. E assim, ensopados, fomos todos dispensados para irmos para casa. Meu coração batia tanto que pensei que sairia do meu corpo. Tão franzino, se tivesse dito a verdade para o tenente eu teria que passar o fim-de-semana preso, e a mentira me salvou. 
Aquela foi a primeira vez que eu desobedecia o meu pai e ao chegar em casa tive que contá-lo o ocorrido, depois da insistência da minha mãe em me ver ainda com o uniforme molhado. Minha vontade era de abraçá-la, chorar e pedir colo, mas aguentei firme e falei da minha resposta ao tenente. Com olhar de reprovação, meu pai, que fingia não ouvir, deu um sobressalto: "Isso aí, filho. Você mentiu na hora certa e há momento para tudo. Nem sempre dizer a verdade é o melhor negócio. Neste caso, a mentira lhe salvou a vida". E foi dormir. Saí da sala, fui tomar um banho quente e aprendi que nem sempre dizer o que se pensa é o melhor a fazer, mas há casos e casos. E é esse detalhe que pode ser a salvação ou a nossa penalidade. 

Duas saudades!




Com meu irmão, Tonho, há três anos: admiração, respeito e saudades



Há uma semana perdi meu irmão mais velho, Antônio, vítima de um AVC, aos 78 anos de idade, seis meses depois de ter perdido minha irmã mais nova, Aparecida, de câncer de mama. Dois pedaços de mim que se foram, mas que me deram tempo para despedidas. Tão fortes e saudáveis, se foram aos poucos, num sofrimento que não mereciam. Mas, sofrem mais os que ficam, com uma saudade sem fim, uma dor que não passa. São lembranças do nosso passado de criança, ao lado dos nossos pais, na Divinópolis de antigamente, um tempo em que o luxo era algo inalcançável. Nossa casa, simples, abrigava tudo o que precisávamos para viver: galinhas, frutas no quintal, porco e muitas minhocas na terra que serviam de alimento para os peixes do córrego, cujas águas imundas eram o cenário das nossas braçadas nos finais-de-semana.
Tonho foi meu companheiro, meu exemplo, meu amigo. Trabalhamos juntos, nos casamos e tivemos filhos na mesma época, aprendemos muito um com o outro. Nossa amizade era tão forte que, na infância, dividíamos o vaso sanitário, ao mesmo tempo. Sempre unidos, também fizemos muitas travessuras e conhecemos os medos, as inseguranças e as dificuldades que foram se descortinando a cada passo que dávamos na vida. Se em casa faltava alimento, uniforme e material escolar, sobrava amor por todos os lados. Eu e meu irmãos éramos inseparáveis, uma relação de alma e de aprendizado. Juntos nos divertíamos muito com trapalhadas e piadas todas as vezes que o visitava. São tantas histórias, que hoje estão na mente para serem lembradas com carinho.
Meu irmão era um homem sério, compenetrado, elegante e bonito. Na juventude, era muito cobiçado, mas o coração dele foi entregue à apenas uma mulher, Zinha, que o acompanhou em todos os momentos. Ela lhe deu sete filhos maravilhosos, que aprenderam a lição de seriedade, de respeito alheio, que o pai lhes deixou. Todos estão bem encaminhados na vida, trabalham, constituíram suas famílias e jamais o abandonaram, cuidando dele com tanto carinho e dedicação, até o chamamento de Deus. Tonho não foi um homem qualquer. Ele foi e sempre será meu ídolo.
A despedida é uma dor que sangra e não estanca. O amor não se apaga com o tempo, ele só dá um descanso e um consolo de que a outra vida é melhor do que o sofrimento físico aqui na Terra. Tonho e Aparecida se foram numa proximidade tão veloz, que é como se um tivesse puxado o outro à caminho da eternidade. Hoje estão ao lado dos nossos pais e talvez relembrando os momentos que passaram aqui.
Temos o costume de maldizer as besteiras que fazemos no dia-a-dia, não nos perdoando pelos erros, como se eles fossem muito graves, e não nos damos conta do quão simples é a vida. Sorrir, comer, conversar, dormir ou caminhar são atitudes que fazemos sem perceber, mas que se torna um luxo para quem está acamado, ou com os dias contados para a partida eterna. Do lado de cá, atribuímos a algum pecado para justificar tamanha injustiça com quem tanto amamos. 
Temos a necessidade de querer junto de nós os entes queridos, mas é preciso que eles estejam saudáveis e felizes, e não acamados, tristes, com dores. Viver significa ter esperanças e sonhos, fazer escolhas, tomar decisões, por mais simples que elas sejam. Meus irmãos estavam doentes e foram chamados para ficar com Deus. Deixaram muitas saudades e admiração. Mas, tenho certeza de que estão melhor do que aqui na Terra. Resta a saudade dos dois. Essa não cessa nunca.


Paulo José.



Que texto maravilhoso tio, ou melhor, Vovô Paulo. Meu pai sempre falava com muito carinho e orgulho de vocês, contava histórias do tempo de criança, inclusive a do compartilhamento do vaso, já escutei demais rsrs.
Obrigado pela homenagem, um grande abraço e continue sempre com esses seus textos de inspiração e admiração.
Se meu pai estivesse aqui agora ele estaria dizendo, OBRIGADO "PULINO"!!!!

Dia da mulher é todo dia!


Flores para minha neta, Caroline, representando todas as mulheres



Amanhã, dia oito de março, é o Dia da Mulher. A data passou a ser comemorada, desde que mulheres morreram num incêndio numa fábrica nos Estados Unidos. Apesar de não ser considerado um feriado nacional, é importante para lembrar as conquistas femininas a cada ano e serve ainda para a conscientização a respeito das diferenças entre homens e mulheres no ambiente familiar e trabalhistas. Mas, deixando as manifestações à parte, faço eu aqui um elogio a todas as mulheres do mundo, tanto as que me acompanham no dia-a-dia, quanto as que sequer conheço, mas que têm importância fundamental na vida de alguém. 
Com minha sobrinha, Daniella
Sempre fui rodeado de mulheres e fiz quatro meninas, que hoje são adultas, mas que se comportam como crianças quando estão ao meu lado. Com elas me divirto, conto piadas e faço passeios interessantes. Juntamente com a minha esposa, Sirlene, mandam e desmandam em casa, mostrando o quão são poderosas até mesmo em situações tão simples, como a escolha dos ingredientes para o almoço de domingo. À distância, observo e obedeço, porque sei que são sábias e se exigem, é porque querem o melhor. 


Minha mãe e minhas filhas, Gisele e Josiane
Minha esposa, Sirlene, aos 15 anos
Já nos tempos de solteiro eu era ladeado pela minha mãe e por duas irmãs que hoje estão no outro mundo. Foi com elas que aprendi o quanto de admiração se deve ter pelo sexo feminino. Desde pequenas eram donas de si e decidiram o próprio rumo da vida. Não sei se foram felizes, mas me considero um privilegiado por tê-las tido ao meu lado. Já sobrinhas tenho apenas duas, Daniela e Daiana, ambas lindas e admiráveis. A primeira, me cativa com seu sorriso largo, enquanto a segunda é simpática, alegre, e com seu porte bonito se mostra amiga deste velho tio. Acho que aprenderam muito com a mãe, Maria José, além de herdarem a beleza da minha cunhada. Sorte do meu irmão, Darci, a quem tanto admiro e respeito! Me enchem de amor ainda, minhas cunhadas Zinha e Margarida e minhas netas, Caroline e Fernanda, grandes tesouros, neste baú de amores, que é a vida.
O Dia da Mulher tem muitos significados, mas para mim ele acontece todos os dias. À todas as mulheres do mundo deixo aqui minha gratidão por tudo o que fazem e por tanto carinho dispensado a nós, homens. Feliz Dia Oito de Março! Aliás, Feliz todo Dia!!!

Paulo José




Senhor Paulo José um grande homem!!Tive o prazer de conhece-lo um grande pai mesmo encantada com tanto carinho com suas filhas,gente com todas sem discriminação.Sempre pronto à ajudar uma simpatia de pessoa.Parabéns meninas pelo paizão...



Papai querido, você como sempre amigo,companheiro, carinhoso e cozinha deliciosamente... Obrigada por ser meu pai. Te amo!!



Muito bom o seu texto, adorei ler o que o senhor escreveu ! PArabens pelo blog, passarei sempre por aqui para ler as suas histórias !
Cynthia






Agradeço muito os elogios, Cínthia e Érika. Vocês são pessoas maravilhosas. Obrigada, minha filha linda, Josiane. Te amo demais. 



Tio Paulo, amei o texto. Foi como se passasse um filme na minha cabeça. Fiquei imaginando tudo! Parabéns! Que venham mais histórias pra nos encantar e divertir. Abraço. Dayana Silva

obrigada, querida sobrinha Dayana. Fico muito feliz pelas belas palavras. Um grande abraço, do tio Paulo.