Com meu neto, Pedro, em Tiradentes (MG): admiração mútua |
Na minha infância não havia frescura. Brincávamos o
dia todo na rua e só voltávamos para casa ao final do dia, para tomar banho e
dormir, já que o jantar era muito raro. Comíamos o que havia e muitas vezes
íamos para a cama de barriga vazia. As crianças eram magras e muito ágeis,
justamente pela alimentação precária e pela energia que se gastava diariamente.
Não havia ônibus que nos levassem à escola, e carro em Divinópolis era artigo
de luxo. Em lugares mais distantes, íamos a pé mesmo ou de bicicleta. Mas, os
ricos tinham cavalos, que ficavam amarrados nos ganchos em frente aos armazéns,
como se faz hoje com os automóveis nos estacionamentos dos supermercados.
Aprendi a caminhar muito cedo e a encontrar atalhos
nos matagais onde eu e meus irmãos íamos buscar água da bica e frutas exóticas
das árvores selvagens. O que hoje é raridade na mesa dos brasileiros, era comum
na minha dieta: mama-cadela, gabiroba, saborosa, amora, abia. No nosso quintal
havia pé de tudo: abacate, maçã nacional, araticum (falávamos articum),
abacaxi, maracujá, cará em rama, feijões gigantes, birosca, laranja e limão. Se
tivesse fome, bastava subir nos galhos e chupar a fruta preferida. Tudo de
graça, muito a vontade, à disposição. Talvez por ter tido tanta fartura da
natureza, eu estranhe muito o preço das fruta, hoje em dia.
Minha mãe fazia nossa comida e o lanche da tarde,
com produtos tirados do quintal. Eram bolos e biscoitos maravilhosos feitos com
mandioca, milho e batata, acompanhados do café moído e torrado na hora. O
cheiro era o nosso comunicador e vínhamos correndo ao sentir o aroma das
delícias saídas do forno à lenha. O que dizer então do arroz com feijão e da
carne cozida, das compotas e das quitandas? Tudo muito farto e calórico, que
não engordava, como hoje, por causa das atividades físicas que fazíamos
diariamente, com jogos como rouba-bandeira, queimada e carniça. Não ficávamos
quietos, parados, a menos que estivéssemos doentes.
A infância de ontem não é a mesma de hoje. Criança
sempre vai ser criança, mas de uns tempos para cá, nada mais é permitido. Vejo
meninos e meninas, tão pequeninos, que não sabem o que é se sujar, pois os pais
não têm tempo para lavar as roupas imundas. São crianças que não tocam a terra,
que não brincam com as minhocas, não sabem o que é diversão. Passam o dia em
frente ao computador ou ao celular, ansiosos pelos desafios que os meios
eletrônicos encontraram de deixar os pequenos cada vez mais sedentários. Me
entristecem saber que não sabem o que é subir em árvores e chupar uma fruta do
pé. Também não têm o prazer de tomar água na bica e de pescar piabinhas.
A infância de hoje está muito preocupada com o
futuro. Todo mundo quer ter, quer ser, mas não pode viver. As crianças são
trancafiadas em apartamentos, com grades ou redes, muitas vezes, sem irmãos
para dividir as alegrias e agruras dos desafios que todo ser humano tem que
passar. Esses infantes acabam se tornando adultos muito sérios, muito
preocupados com dinheiro e não com o amor. Na maioria das vezes não têm uma
relação duradoura com outras pessoas porque não aprendeu a dividir, e não sabe
ceder porque todas os seus desejos foram realizados pelos pais. Há uma
idolatria pela infância, uma infantolatria que está impedindo a criança de ser
o que ela é. Criança precisa tocar o chão, ficar imunda, pintar, desenhar,
colorir o mundo que se abre para ela, de uma maneira muito feliz. Só assim ela
se tornará um adulto com sonhos e com poesia na alma.